O Farol de Lubumbashi

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Job vai bem com

Sopa
Não preciso

Prato principal
Caldo de arroz com frango

Sobremesa
Não preciso

Bebida
Água do rio

Músicas de acompanhamento




Palavras de Job

Palavras que aprendi em Job:

Espeque: s.m. Grossa peça de madeira vertical ou levemente inclinada, para sustenta
                provisoriamente um muro, um pavimento ou terras que ameaçam desabar.
                Escora, estaca.
Enxúndia: s.f. Gordura.
                A banha das aves e do porco.
Fátuo: adj. Que possui uma opinião positiva muito elevada de si mesmo; que se julga melhor que os
                demais; presunçoso.
                Que apresenta insensatez; insensato.
                Que não dura muito; que não permanece; transitório.
Insulsa: adj. Que não tem sal; insípido, insosso.
Ornejar: v.i. Zurrar.
Pimpolho: s.m. Botânica. O início do desenvolvimento de um ramo de videira; broto de videira.
                Figurado. Criança bem pequena.
                Figurado. Menino vigoroso e robusto.
Propínquo: adj. Próximo, vizinho.
Provecto: adj. Adiantado; que tem progredido.
                Avançado em anos./ Fig. Experimentado, muito sabedor.
Rogativo: Que roga. Que envolve rogo ou súplica.

Palavras que estão presentes em Job e que gosto de ver em livros: 

Assopro: s.m. Sopro.
                Pequena aragem.
                Fig. Favor, proteção.
                Estímulo, inspiração.
Estultícia: s.f. Qualidade, particularidade, característica daquilo que é estulto; que demonstra
                estupidez ou se comporta de maneira estúpida; tolice, parvoíce.
Fauces: s.f. Botânica. A extremidade do tubo ou espaço imediato aos lábios da corola, que às vezes
                se distingue bem pouco do tubo.
                Zoologia. A abertura da concha univalve, e a superfície superior dela.
                S.f.pl. A goela de um animal.
Fautores: adj. Que causa favorecimento; que é favorecedor; que é o motivo.
                Que providencia apoio; que é partidário.
                Que oferece proteção; defensor.
                s.m. Algo ou alguém que é o motivo, a causa ou a razão para algo.
Ilhargas: Ancas e quadris.
Leviatã: s.m. Denominação bíblica de vários monstros marinhos.
Pejo: s.m. Pudor; vergonha; acanhamento.
Sempiterno: adj. Característica do que persiste, do que se mantém ou se conserva, para sempre - que
                 é eterno: Deus é sempiterno.
                 Qualidade do que é excessivamente velho ou antigo.

Expressões que abichanam um leitor em Job

Job:
"Oxalá se pesassem numa balança os meus pecados, pelos quais mereci a ira e a calamidade que padeço" (6:2)

Sofar:
"O homem não eleva-se em soberba, e julga ter nascido livre, como a cria do asno montês." (11:12)

Job para os três amigos:
"E oxalá que vós vos calásseis! para puderdes passar por sábios." (13:5)

Fim:
"Depois disto, viveu Job cento e quarenta anos, e viu a seus filhos, e aos filhos dos seus filhos, até à quarta geração, e morreu velho e cheio de dias." (42:16)

Job agora a sério

Porquê ter uma porta quando não temos paredes?
Job vive na fronteira da crença: o livro, não a pessoa.
A pessoa Job vive no universo da fé, numa galáxia sem questões e cuja única resposta é Deus.
Aliás, Job não é uma pessoa: é a fé em si.
O livro Job é muito mais do que isso: é a fronteira representada numa porta, a qual não esconde o que se encontra no interior de casa.
O domicílio de Job é um edifício em mutação, em evolução descontínua, desde os cantos luminosos aos recantos obscuros. Diria mais, mostra-nos tudo o que estamos dispostos a ver. E no fim, verificamos que não saímos do local de onde partimos: da porta.
É também um livro sobre a elasticidade da fé: física e mental, mas não a de Job. As questões que se levantam à medida que assistimos à tangibilidade da fé nada tem a ver com ele, até porque em Job não existe elasticidade, nem tangibilidade, nem sacrifício: apenas certeza: apenas fé. As questões que se levantam são as que nós suscitamos, daí nos encontrarmos à porta.
Job predispõe-se a mostrar o interior, o dele e o nosso, com uma diferença: as paredes que aparenta não ter são apenas um reflexo das que nós não temos; são as que pensamos observar apesar de não tirarmos os olhos da entrada.
O que nos diz parece ser muito claro: Eis o interior! Continuas disposto a vivê-lo do exterior?
A formulação inicial poderá ser mais simples de equacionar e mais difícil de processar:
Consigo eu ser Job?
Ou melhor:
Seja qual for a minha crença ou objectivo, consigo manter-me Job ao longo de todo o percurso?
Porque Job é um texto para não crentes, crentes ocasionais e crentes de toda a vida.
Porque é uma prova de fé, se não da sua existência, pelo menos do peso dos seus limites.
Porque as questões que promove são presentes e não estão enterradas no tempo em que foram escritas, e devem continuar a ocupar espaço em cada um de nós, mesmo depois de Kant e Sartre.
Porque Job é símbolo de uma provação contínua, um texto sem fim e que se inicia depois de termos terminado a sua leitura, precisamente quando percebemos que estamos perante uma porta e que a fechadura está do nosso lado. 

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Job noutra história

Uma dramatização

Seis personagens fictícias:
Job
Elifaz
Bildad
Zofar
Eliu
Deus
Satã

No alto do céu, Satã visita Deus para o piquenique semanal.
Deus - Então Satã, como vai isso?
Satã - Vai mal, meu Deus... vai mal.
Deus - Quer dizer isso que vai bem?
Satã - Sempre nas interpretações, seu maroto! Até os pensamentos se movimentam por caminhos misteriosos.
Deus - Ah! Ah! Ah! Ice tea para acompanhar os jesuítas?
Satã - Pode ser. Estás de bom humor! Que se passa?
Deus - Estás a ver ali, junto ao riacho? Ali vive o meu maior fã.
Satã - Como assim?
Deus - Vive ali o mais recto dos homens. Tem uma família, propriedades e gado abundantes e adora a eu.
Satã - A mim?
Deus - Querias!
Satã - Não era isso que queria dizer mas... Deixa lá! E não achas que, correndo tudo de feição, ele tem alguma razão para não te adorar?
Deus - Como assim?
Satã - Se lhe tirássemos coisas, creio que a adoração não seria assim tanta.
Deus - Será que me está a cheirar a aposta?
Satã - Ó meu Deus, podemos apostar quando vamos jogar bowling, agora com pessoas, não!
Deus - Agora viraste mariquinhas?
Satã - Não digas isso!
Deus - Mariquinhas!
Satã - Retira o que disseste!
Deus - MA-RI-QUI-NHAS!
Satã - Ai é? Então vou tirar-lhe a mulher, os filhos e as propriedades. Se ele continuar a adorar-te, podes ir buscar quem quiseres ao Inferno. Se o sentimento dele decrescer, posso eu escolher alguém do Céu para levar lá para baixo.
Deus - Por mim, até podes chagar-lhe o corpo todo.
Satã - Mas, mas, mas... Ok, tu é que mandas.

Na Terra, Job levava uma vida abastada, num quotidiano bucólico, quando algo o fez ficar sem filhos, propriedades e o respeito da comunidade. Foi 'algo' porque foi inventado por Deus e o homem que está a escrever este texto ainda não teve o discernimento (quanto mais, a inteligência) para descortinar o divino acto.
Job - Ai, ai! Mas que é isto? Ainda agora estava a ordenhar uma vaca e ela evaporou-se! Fiquei com as mãos sem tetinhas, a fazer movimentos como se estivesse a conduzir um tractor. Obrigado, meu Deus, por me evaporares a vaca, que a mulher já andava a desconfiar.
Satã (a pensar) - Continua a adorar, mesmo tendo perdido as riquezas... Esquisito! Pronto, vou chagá-lo.
Job - Ai, ai! Que dores! Oh, que feridas são estas? Não te apoquentais, Job! Recebeste o bem do Senhor, também deverás tomar o seu mal. E assim experimentas sensações novas, de dor intensa. Obrigado, meu Deus!
Chegam três amigos mais um.
Elifaz - Olá Job, velho amigo. Então, és iníquo, heim?
Job - Estais equivocado. Sou todo bom. Deus ter-se-á equivocado nas pústulas. O Schlomo, aquele pastor que passa mais tempo com as ovelhas do que com a mulher, vive aqui na quinta ao lado. Isto devia ser para ele.
Bildad - Olha que não, velho amigo. Deus não se engana. Deves ser mesmo um grande ímpio.
Job - Nada disso. Sempre fui bom. Deveras.
Zofar - Não me parece, velho amigo. Cá para mim sempre foste um estulto.
Job - Como podes dizer isso? Mesmo com o corpo em decomposição, eu continuo a adorar a Deus. Não fosse ter-me caído um braço há cinco minutos e abraçar-te-ia, apesar dos insultos.
Eliu - Basta! Cambada de ignóbeis. Nem os três senhores com nome de detergente de roupa têm razão, nem tu, mártirzinho de pacotilha! Deus é que julga, Deus é que sabe. A interpretação dos seus actos não cabe aos homens, pois os homens não podem interpretar actos de alguém superior. Deus só responde a si mesmo.
Entra Deus (peço desculpa pelo pleonasmo, tendo em conta a omnipresença).
Deus - É isso!
Job - Isso o quê?
Deus - Estais a interrogar-me?
Job - Não é isso. Só não percebi...
Deus - E como poderias tu perceber?
Job - Adoro-te!
Deus - Eu sei.

Na semana seguinte, Satã volta a encontrar-se com Deus no céu.
Satã - Trouxe aqui uns miminhos conventuais.
Deus - Se não és tu a trazer, nunca como nada disso.
Deus - Mas não foi só isso que trouxeste, pois não?
Satã - Olha que nunca pensei que ganhasses esta aposta. O que aconteceu ao pobre diabo?
Deus - Pobre deusinho, se faz favor. Restituí-lhe tudo: gado, mulher, filhos, propriedades...
Satã - Como assim? Ainda te lembravas de tudo?
Deus -  Na verdade, não me lembrava muito bem da quantidade. Pelo sim, pelo não, mandei-lhe tudo à grande, incluindo uma mulher com um par de mamas divinais.
Satã - Uau! Isso é mesmo à minha medida: diabólico.
Deus - Agora mostra, mostra! Trouxeste-me o Homero?
Satã - Sim, está aqui. Mas não percebo para que precisas dele? Sabes que ele é um esquizofrénico religioso: acha que há vários deuses.
Deus - Eu sei. Mas estou mesmo a precisar de um grande escritor para contar a maior história de todos os tempos.

Job a nu

Odisseia vai bem com

Sopa
Sopa de nabiças

Prato principal
Feijões enlatados com salsichas

Sobremesa
Laranja (por causa do escorbuto)

Bebida
Água (sem sal) e Vinho tinto

Música de acompanhamento:


Filme de acompanhamento (baseado numa história fictícia):

Palavras da Odisseia

Palavras que aprendi com a Odisseia:

Ambrósia: Alimento dos deuses.
Arúspice: s.m. Sacerdote que, no sacrifício, predizia o futuro pelo exame das entranhas das vítimas.
Deslassar: Tornar(-se) lasso; afrouxar(-se), alargar(-se). Cf com deslaçar.
Égide: s.f. Mitologia Grega. O escudo que pertencia à deusa grega Palas Atena.
            Figurado. Aquilo que pode servir para amparar; defesa ou proteção.
Evolou: evaporou.
Piscoso: adj. Que possui uma grande quantidade de peixes: lago piscoso.

Palavra que estão presentes na Odisseia e que gosto de ver em livros:

Boieiro: Condutor ou pastor de bois.
Deletéria: adj. Venenoso; que ataca a saúde; nocivo. / Fig. Que corrompe.

Expressões que abichanam um leitor em Odisseia

"Esta é a única homenagem que aos pobres podemos prestar:
cortar o cabelo e deixar cair do rosto uma lágrima."
Canto IV, vv. 197-198

Zeus para Atena:
"Que palavra passou para além da barreira dos teus dentes?"
Canto V, v. 22

Ulisses na praia onde o mantinha cativo Calipso:
"E com os olhos cheios de lágrimas fitava o mar nunca vindimado."
Canto V, v. 84

Ulisses responde ao rei Alcínoo:
"Pois nós, as raças de homens na terra, somos rápidos na ira."
Canto VII, v. 307

Melhor comparação de sentimentos de sempre:
"E o coração aguentou, mantendo-se em obediência
completa. Ele é que dava voltas e voltas na cama.
Tal como o homem à frente de um grande fogo ardente
revolve um enchido recheado de sangue e gordura
sem parar, na sua ânsia de que se asse rapidamente -
assim Ulisses se revolvia na cama, pensando como
haveria de pôr as mãos nos desavergonhados pretendentes,
um homem contra muitos."
Canto XX, vv. 23-30 

Odisseia agora a sério

Há lugares-comuns que causam discórdia. Frases como "Quero ser feliz" são hasteadas como bandeiras pelas gatas borralheiras e desdenhadas pelos irónicos de profissão.
Se encararmos o "ser feliz" como um fim, como um objectivo, que gera dúvida, que suscita dissonância, podemos afirmar que, por outro lado, a viagem que fazemos e que pode aportar nesse (ou noutro) destino, mobiliza consonâncias.
Na verdade, a vida não se mede em segmentos de recta, entre os pontos A e B; a vida mede-se na linha, nunca recta, em desconhecimento constante de onde se encontra o princípio e o fim.
O que resta? A viagem. Esta sente-se: vive-se.
"Ser feliz" é um conceito que atribuímos a um futuro que não dominamos. Resta-nos apenas viver entre passadozinhos e futurinhos, com objectivos presentes, conscientes de que a linha recta não existe. A clarividência no presente permitir-nos-à dizer: "Sou feliz"; nunca: "Quero ser feliz".

O que nos faz amar a Odisseia quase três mil anos depois?
E porque razão três mil anos não têm qualquer peso, nem limitações de entendimento?
A resposta é muito simples: a viagem.
A viagem de Ulisses de regresso a casa.
A viagem de Penélope de regresso a Ulisses.
A viagem de Telémaco entre o pai imaginado e o pai real.
A viagem da soberba à legitimidade.
A viagem de Homero sem fim à vista.
A viagem: sinuosa, difícil, perseverante, derrotista, vencedora.

Odisseia contada noutra história

Entretanto, em Ítaca:

ULISSES: Querida, vou sair.
PENÉLOPE: Aonde vais?
ULISSES: Vou comprar cigarros.
PENÉLOPE: Estás doido? Olha que isso mata! Espera lá: mas tu não fumas!
ULISSES: Estava a brincar! Vou só ali participar numa guerra e já volto.
PENÉLOPE: Ah, estavas a assustar-me. Vai lá. Aproveita e traz pão, já que vais à rua.
ULISSES: Prometido.
PENÉLOPE (a pensar): Ainda bem que vai apanhar ar. Já estou farta do pó e serrim que vem da carpintaria, sempre a construir cavalinhos de pau. Um, ainda vá que não vá, para o Telémaco brincar. Agora, cinquenta? Ainda se fizesse um aparador para o hall de entrada...

Vinte anos depois

ULISSES: Querida, cheguei!
PENÉLOPE: Quem vem lá?
ULISSES: Sou eu, Ulisses, Odisseus para os amigos, rei de Ítaca e teu marido.
PENÉLOPE: Espero que estejas a brincar. O meu marido morreu.
ULISSES: Mas... Mas... Eu sou eu.
PENÉLOPE: Ai, sim? Prova-o!
ULISSES (começa a tirar as calças): Os teus desejos são ordens.
PENÉLOPE: Puxa as calças para cima! Não é nada disso!
ULISSES: Então?
PENÉLOPE: Onde está o pão?
ULISSES: Chiça! Esqueci-me! Vou buscar imediatamente.
PENÉLOPE: Nem penses! Vai à sala e limpa-a.
ULISSES: Está muito suja?
PENÉLOPE: Está cheia de pretendentes ao teu trono.
ULISSES: Ah, já entendi.
PENÉLOPE: Antes de ires, diz-me porque demoraste tanto.
ULISSES: Não vais acreditar: no final da guerra andei às voltas com o barco, até porque ainda não inventaram a bússola, depois fui sequestrado por uma deusa que me violou durante anos, depois fui parar a uma ilha cheia de ciclopes e espetei um tronco no olho de um deles, depois vieram as sereias...
PENÉLOPE: Basta! Chega de desculpas! E a guerra?
ULISSES: Espectacular! Construí um cavalo de madeira... Aonde vais? Ainda não acabei!
PENÉLOPE: Vai tratar dos pretendentes. Falamos depois.

Enquanto se afastava, Penélope não pôde deixar de sorrir. Não era importante a justificação da ausência; era importante a felicidade que sentia pela presença. Era o homem ideal, sempre pronto para a bravura e para a honra e, sobretudo, sempre disposto a ausentar-se. Ulisses nunca havia reparado que Penélope nada percebia acerca das tarefas domésticas e os pretendentes, que se haviam instalado no palácio na sua ausência, começavam a colocar em cheque os dotes de Penélope, ela que há dez anos tecia a mesma peça de roupa.