O Farol de Lubumbashi

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Gilgamesh agora a sério

Bem sei que foi há muito tempo, mas vamos lá tirar o mamute do meio da sala.
Gilgamesh é um plágio.
É um pré-plágio.
É um pós-plágio.
Gilgamesh, duas partes deus, uma parte homem, vivia no mundo como se mais ninguém existisse. Ao seu aborrecimento, os deuses responderam-lhe com a criação de um parceiro. Enkidu, feito à sua medida e semelhança.
Os deuses comandam o destino. Para eles: a vida; para os homens: a morte. Comunicam os seus desígnios aos mortais através de signos, os quais são transportados pelos sonhos.
Aos dois companheiros urge a aventura. Gilgamesh e Enkidu buscam a glória eterna.Querem que a história, mais eterna que a vida, prolongue os seus feitos. Apenas um retornará.
Esta mania que os deuses têm de controlar da vida e da morte, Gilgamesh sabe-o bem. Ainda se lembra que já haviam estado desavindos com os humanos. E o que é fizeram? Lançaram um dilúvio sobre a Terra e a vida sobre ela desapareceu.
Mesmo assim, Gilgamesh procura a eternidade: já não a da glória, mas a da carne. E encontra-a sob a forma de uma flor, que ele tenta transportar para o seu reino. Gilgamesh sucumbe aos apetites de um banho e a flor é-lhe sonegada por uma serpente. A sua eternidade por um banho.
Onde é que eu já ouvi isto depois?
Ou foi antes?
A epopeia de Gilgamesh é um texto sul-babilónico. Porém, existe um anterior, com o mesmo título, do período sumério. Não é exactamente igual. Pelo menos, penso que não, que o meu sumério está tão enferrujado como o meu islandês. Mas há quem diga que não e, como não encontrei ninguém que dissesse que sim, eu também acho que não. O babilónico aproveita os temas sumérios, acrescenta uns, retira outros e, sobretudo, torna-o uniforme.
Ademais, se os babilónios o quitaram aos sumérios, por mim tudo bem e poderá dever-se a dois pontos:
  • O texto foi escrito em tabuinhas de argila. Logo, não deveriam existir muitos exemplares, se é que existiam em plural. O gatuno poderá ter sonegado o exemplar, ter feito uma cópia, dar a sua autoria e ter convertido o original em potes.
  • O séc. XVIII a.C. não é muito conhecido (se é que o é por alguma coisa) pelo cuidado na legislação em relação aos direitos de autor. Tanto não o é, que o texto que chegou até nós entra na categoria de autor 'anónimo'. Na verdade, mais vale. Estamos numa época em que ainda não haviam sido inventados os pseudónimos e, segundo reza a lenda, o Gilgamesh terá tido várias versões: a primeira com traços orais e as seguintes atribuídas a tipos com estes nomes: Sinliqiunnini e Nabuzuqupkena. Resultado: mais vale a pena ser anónimo. Quem é que consegue dizer Sinliqiunnini? Ora digam lá cinquenta vezes seguidas. E Nabuzuqupkena? Ah, pois é! Eu também considero que o texto é anónimo. 
O pré e o pós fazem parte de Gilgamesh. Gilgamesh, na verdade, não é em si pré e pós: contém em si o pré e o pós. Gilgamesh este entre estes dois pontos; no início, no meio e no fim; no centro daquilo a que podemos chamar o início da literatura mundial.

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