Muito se fala da loucura de Medeia para justificar os seus actos, como se tratasse de um julgamento à posteriori em que o advogado de defesa apela à insanidade temporária.
Porque precisamos do argumento da loucura para julgar Medeia?
A razão diz-nos que não há justificação possível para que uma mãe assassine os seus filhos. Porém, não conseguimos deixar de simpatizar com Medeia e isto necessita de explicação. Quando a empatia nos tolda a razão, oferecemos lógica à primeira e, se mesmo assim não a encontrarmos, temos sempre a loucura; nem que seja a do leitor.
Parece-me até que a absolvição de Medeia resulta de uma harmonia de loucuras - a nossa e a dela. Ou melhor, creio que não existe absolvição, até porque Medeia não comete nenhum crime: sabemos que é executado um crime, mas também sabemos quem fornece os ingredientes para a sua consecução (Jasão). Quando o assassinato é efectivado já Medeia não é Medeia - é coisa.
A peça mostra-nos isso mesmo: a transformação de Medeia em coisa; de esposa fiel, desenraizada, confinada a um bibelô démodé que Jasão descarta, por falta de utilidade. É precisamente neste papel objectificado que vai actuar.
Devemos, deste modo, julgar objectos? Conseguimos condenar um almofariz que viu serem esmagadas cabeças de alho?
Só se estivermos loucos.
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