Regressei à Metamorfose dezasseis anos depois. Em 1999, quando o li pela primeira vez era um leitor imaturo. Não conhecia autores, lia anarquicamente, era influenciado por leituras alheias, normalmente por miúdas que me interessavam e que me levavam a ler Paulo Coelho ou Richard Bach, os quais entremeava com Saramago, Orwell e os reis do thriller, Irving Wallace e Frederick Forsyth. Quer isto dizer que Kafka entrou na minha lista ainda na minha adolescência literária; quando achamos que temos opiniões fortes e os livros vêm que cumprir um desígnio de complemento ao nosso ego. E neste contexto, consegui colocar o Alquimista por defronte da Metamorfose. Um homem que acorda e se vê metamorfoseado numa barata - que ridículo!
A felicidade de abandonar a adolescência é não ter medo de crescer e dizer, acima de tudo, "que estupidez do caralho!". Agora, com 36 anos, dei uma segunda oportunidade ao livro, o que não acontecerá com o Alquimista. Normalmente sucede com os livros que guardo que eles vão ficando, nunca abandonam totalmente. Não sou de sublinhar passagens, escrever nas margens, porque escolhi que quero que os livros vivam longe do meu cérebro. Consigo lembrar-me de passagens de livros de que não gostei e o contrário é bem mais frequente. Vivo disso.
A Metamorfose transporta aquele segredo que só os grandes escritores têm: as entrelinhas. Não se trata de mensagens subliminares, apenas do desenho do livro, como aquelas imagens de pontinhos que temos que ligar para encontrar a forma final. E estou nessa fase: de ligar os pontinhos. Passando a barreira pueril da transformação do homem num animal, a obra de Kafka como que aponta para o determinismo humano: para o destino do homem enquanto elemento social. Gregor Samsa, a barata tonta, era a estrutura da família, o pilar que não podia falhar, a bem da não implosão daquela casa. Metamorfoseado, vê-se incapaz de desempenhar o seu papel, e essa é a principal preocupação, daí a questão do porquê estar ausente em todo o livro. Por que razão Gregor Samsa acordou barata? Não interessa. É importante, sim, que ser barata é uma chatice porque impede voltar ao trabalho, obriga o pai a trabalhar e, sobretudo, a irmã de perseguir os seus sonhos.
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